Sbronka

Aqui tem sensualidade mas não tem pornografia, não tem piada manjada, matéria copiada nem nenhuma outra chupação de idéia alheia. Este blog é feito de textos, fotos e montagens de minha autoria e qualquer idéia, texto ou fotos de terceiros terá seu crédito. Este Blog não tem o compromisso de agradar a ninguém. Toda crônica depende do humor do dia, ou da hora. Por fim, este blog não tem papas na língua e o formato é secundário para valorizar o conteúdo.

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Especialista em qualidade de software, atuando na área de Gestão do Desenvolvimento no Serviço Federal de Processamento de Dados - SERPRO.

28 julho 2009

REPARE BEM


Está em discussão no Supremo Tribunal Federal a legalidade do conceito de cotas raciais nas universidades brasileiras. O assunto é polèmico e resvala por questões legais, sociais e históricas. Vou tentar expor, como um mosaico, algumas opiniões à respeito, deixando claro desde início que não classifico as pessoas por raças distintas, uma vez que somos todos participantes da mesma, talvez a mais inferior delas, a raça humana. É bom informar também que entre meus 3 irmãos de sangue (irmã de fora, hours-concours a mais querida) aquele com que mais me identifico é negro.

Em primeiro lugar, a constituição brasileira, em diversos artigos, consagra a o princípio da igualdade e refuta qualquer forma de discriminação, como diz o artigo 3º: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: ... IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.". Vale lembrar que a Constituição é a lei maior do país, à qual todas as outras devem estar subordinadas e não podem feri-la em seus princípios.

O racismo se define como sendo um conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, que afirmam a superioridade de certas raças humanas sobre as demais. Ora, se é preciso que se determine cotas para que os indivíduos autodeclarados negros sejam beneficiados em detrimento dos demais, é o mesmo que afirmar que estes não teriam condição e mérito por sí só de conquistarem este espaço. Por este viés, o sistema de cotas é racista já que define a raça como um critério de seleção com fim de compensação. Oras, compensar o que se somos todos iguais ?? Então meu colega negro que tenha concluído comigo o ensino médio teria menos capacidade para ingressar na universidade e portanto mereceria uma chance maior ? Isso me soa racista.

Deixando o mundo dos conceitos de lado, vamos pensar no lado social. Os defensores das cotas argumentam que este procedimento seria necessário para reparar uma discriminação que dura séculos no Brasil, provendo acesso diferenciado aos negros, menos favorecidos. Se você é branco e pobre está lenhado amigo, quem mandou não nascer negro (ou rico) ? Mas uma questão nesta lógica me perturba: negros, brancos ou amarelos, há um critério básico para ser aceito em qualquer universidade: ter concluído o ensino médio ! Então o sistema de cotas "repara" a desigualdade social somente para aqueles que já estão no topo da pirâmide, servindo para aumentar ainda mais a diferença em relação àqueles outros que ainda não sairam das palafitas e que estão nos semáforos batendo pauzinhos para ganhar moedas, muitos destes já em idade de ingressar na universidade. Sob este aspecto, o sistema de cotas me parece mais um "cala-boca" que coopta a elite, os formadores de opinião que estão entre os poucos porcento da população negra que consegue concluir o ensino médio no Brasil. Vale lembrar que segundo o IBGE a quantidade de alunos negros no ensino médio é proporcional à sua participação na formação da população brasileira. Não nego que nas melhores escolas esta proporção não se reproduz, mas é uma questão social, mais que racial.

Reparando bem, qual a culpa que eu ou meus filhos herdamos por isso para pagarmos esta conta? Sou decendente de poloneses e italianos, meus antepassados vieram da Europa quando a escravidão já havia sido abolida no Brasil. O bisa Nastari foi encher linguiça (literalmente) e o zeide Fajwel com a buba Sarah vieram costurar seus casacos na São Paulo emergente do início do século 20. Meus avós não encontraram no Brasil um refúgio à escravidão mas à aniquilação física detonada pelos nazistas, pelo mesmo motivo: preconceito. Nem por isso chegaram pedindo vantagens ou tratamento diferenciado: arregaçaram as mangas e foram labutar. Se quisermos falar em reparação de verdade precisamos falar em reforma agrária dos grandes latifúndios das famílias que por séculos prosperaram entre a exploração do trabalho escravo e a bajulação à corte corrupta portuguesa (e mais tarde imperial brasileira). Por que o meus filhos tem que ceder a preferência para uma vaga a um colega que tenha o mesmo aproveitamento nos estudos mas que seja negro? Quem garante que este seja decendente de escravos?

Por fim é bom lembrar que a escravidão não foi uma criação do século 17 do homem branco contra o negro. Os gregos, os egípcios, os chineses, os hindus, os mesopotâmios, os pré-colombianos, os romanos, todos estes e muitos outros tiveram seus escravos em algum momento, de alguma forma, entre povos de etnia diferente ou mesmo entre tribos da mesma etnia. Não se pode deixar de observar que o comércio de escravos negros da África tinha a participação de tribos africana rivais que subjugavam e vendiam seus inimigos aos árabes e europeus que dominaram certas regiões do continente negro ou por ele estavam de passagem. O proprio Zumbi mantinha escravos entre os mercenários capturados

Como eu disse no início, a questão é polêmica e complicada, mexe com sentimentos e interesses, claro. Mas creio que a solução não passe pelo acirramento da discriminação. Afinal de contas, imagino que uma pessoa inteligente e capaz se sinta profundamente decepcionada após tanto esforço para conquistar tudo que merece, quando um dia alguem o julgue, somente pelo fato de ser negro, porque afinal foi beneficiado com cota para entrar na universidade. Não é por aí.


(ilustra este post um quadro de Jean Léon Gérôme, mostrando uma escrava - branca - tendo seus dentes analisados)


1 Comments:

Anonymous Sandro Cordeiro said...

Amigo Slomka,
Gostei muito do texto, concordo com quase tudo. Entretanto, queria contrapor alguns argumentos.
Você falou sobre a imigração polonesa, italiana, etc. Mas quero ressaltar que embora estes pudessem ter sido escravizados e descriminados por serem de suposta raça inferior em seus países de origem, eles chegaram numa situação diferente ao Brasil, onde, pelo que já li e ouvi em documentários de TV, muitos deles receberam terras e recursos para poderem trabalhar. De outro lado, os negros que outrora foram escravizados e vendidos por tribos africanas rivais aos colonizadores brasileiros chegaram e continuaram escravos até pouco mais de um século atrás(121 anos). Concordo que se a educação pública, da pré-escola ao ensino médio, fosse de qualidade no mínimo boa não precisaríamos de cotas para “negros” nas Universidades. Mas também não há como negar que as pessoas que detiveram o poder nunca se importaram em garantir uma educação de qualidade para todos indiscriminadamente, pois estes eram quase sempre de classe média e alta e sempre tiveram dinheiro para colocar seus filhos em boas escolas. Acho muito engraçado quando escuto um amigo falar da injustiça que é ter sua chance de entrar na Universidade diminuída pelo sistema de cotas. Como se não fosse injusto dificultar o acesso de quem não tem grana à educação básica de qualidade. Cristovam Buarque está com projeto de lei(http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/detalhes.asp?p_cod_mate=82166) que obriga aos agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014. Eu iria além, todo funcionário público deveria ter seus filhos matriculados em escolas públicas. Por quê será que ninguém compra essa briga? Seria uma boa bandeira para os anti-cotas. Outras reflexões sobre o pós-abolição: Foram dadas terras aos escravos abolidos ou salários dignos pelo seu trabalho? Estes foram recebidos pela sociedade sem nenhum tipo de diferenciação? Tiveram acesso à educação formal ou tinham que trabalhar 14 ou 16 horas por dia?
Por fim, sofremos uma epidemia de analfabetismo funcional a qual as cotas para acesso as faculdades não remediarão. E este é um problema sobre o qual não vejo a classe média injustiçada pelas cotas reclamar com o mesmo vigor. Isto, talvez, por não afetá-la!
O que mais gosto na lei de cotas não é a própria lei, mas sim o fato de fazer levantarmos e pensarmos no assunto EDUCAÇÃO, até então pouco debatido. Só espero que saíamos deste debate racial e simplista e entremos num debate de projeto para o país, com cerne no direito universal a instrução(DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, Artigo XXVI )
Então, educação de qualidade à todos, brancos ou negros, pobres ou ricos!

Um abraço..

01:48  

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